Agenda vermelha

 

          No final do ano passado ganhei uma agenda com capa de couro vermelho e meu nome gravado numa pequena placa de metal. Linda. Só vi um problema: é pequena, 13x10 cm. O problema, pensei, é a solução.

         Para que preciso anotar coisas banais, como buscar roupa na lavanderia, devolver livro da amiga, tapeware da vizinha, comprar remédio de gripe, telefonar para tia? Não cabe, não marco.

         Vou usar a agenda para assuntos importantes, como consulta médica, exames, assinar contrato, viagem, palestra, reunião, assuntos que a gente não esquece.

         Chegou janeiro. Férias.

         Férias de todas as atividades que entraram na minha rotina justamente porque me são especiais, absolutamente prazerosas.

         Férias das aulas de dança, do meu grupo voluntário, das visitas às instituições onde realizo trabalho voluntário, dos grupos de leitura, do grupo de estudo, férias inclusive das sessões de alongamento na praça. E mais: férias já combinadas da empregada.

         Nada a marcar.

         Em São Paulo choveu muito em janeiro e eu não viajei nem um diazinho.

         Fiquei. Alagada. Acalorada. Sem empregada. Sem nada para anotar na agenda. Mas vivi. E muito bem, obrigada.

         Os dias se passaram entre ficar com o marido, cuidar da casa, curtir netos, inventar receitas fáceis, supermercado, algum cinema, encontros com amigos, jantar fora... E também uma ida ao oftalmo, visitas à tia, café com amiga, um corte de cabelo, assistir a filmes na tv, e leitura, sim, li dois livros, jornal, Internet e-mails, telefonemas, sudoku... Isso tudo não caberia na minha agenda.

         Em fevereiro viajei e não levei a agenda, pesa apesar de pequena.

         Quando voltei a pandemia já estava no ar, as atividades pouco a pouco foram sendo adiadas, logo interrompidas, depois proibidas para grupo de risco, e eu nem sabia que era um risco.

         Ontem, abrindo uma gaveta, encontrei minha agenda personalizada, praticamente intocada.

         Anotado um ou outro zoom ainda em março e só. Logo ficou esquecida, um ano sem compromisso.

         Apesar de tudo, não foi um ano em branco.

         De certa forma foi intenso, viajei para dentro, revi lembranças, encontrei a mim mesma.

 

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