Minhas mães

 

Quando nasci quatro mulheres me esperavam.

Minha mãe que me concebeu,  me concedeu espaço no seu corpo, me abrigou e formou. Ela me amamentou e nutriu.

Quando grávida, pressentiu que esperava uma menina e pedia: que ela seja bonita e boa. Ela não se achava bonita por isso seu desejo para a filha. Mulher bonita terá mais chance, ela intuía.

Mais que característica ou virtude, generosidade era seu modo de ser. Sua filha, sua cria, deveria ser boa.

Ela sorria ao me pegar no colo, cantava para me embalar e me dizia a cada dia que eu era uma menina bonita e boa.

Minha avó, mãe de minha mãe, também me esperava. Ela morava em outra cidade, então era natural que ficasse uns tempos na casa da filha, para ajudá-la quando a criança nascesse.

Ela desejava para a neta saúde e dinheiro, coisas raras e caras a ela. Saúde para não sentir dores, poder ver e ouvir, comer e andar,  não depender de outro para ajudar no básico da vida. Não desejava riqueza, mas que nada faltasse, que a neta crescesse sem se preocupar com dinheiro contado, que não passasse pela humilhação de não ter como pagar a prestação.

Ela me esperava como esperam as avós: com preces e sonhos. Minha avó tinha muita fé e sonhos que ela nem a filha puderam concretizar e assim chegaram multiplicados para mim: que eu tivesse uma profissão, ganhasse  bem, fosse alguém. 

Minha avó tinha a paciência que a idade trouxe e o corpo, já mais lento pelas quedas e artroses, sentava com prazer olhando a criança.

Minha tia, única irmã da minha mãe, também me esperava. Ela era mais jovem e viera morar com a irmã casada na capital, porque na cidade pequena onde vivia com seus pais, não arranjava trabalho nem marido.

Eu nasci parecida com ela, clara, e não morena como minha mãe. Minha tia, que não queria ficar pra titia, olhava para mim e pedia: que você nunca saiba o que é solidão, que possa escolher seu namorado, que não sofra por amor, nem por falta de amor.

Sem as dores do parto nem das artroses, era ela quem me levava a passear e se encantava quando diziam, a menina parece sua filha. Ela me trazia vestidos, me enfeitava, me mimava.

A Nira limpava a casa, ajudava minha mãe na cozinha, olhava meu irmão. Sim, eu já tinha um irmão, três anos mais velho. Ele não me esperava. Para que ele precisava de uma coisinha que chorava e lhe roubava a atenção?

Mas a Nira me esperava. Prevendo que nunca teria uma filha me dedicou todo seu bem querer. Ela não sabia ler e desejou para mim uma cabeça boa, que aprendesse fácil, que pudesse ler livros e escrever o que quisesse.

E assim fui recebida por mulheres - mãe, fadas madrinhas - que me desejaram o essencial, o que mais importava para cada uma.

O tempo passava rápido naquela época. Meu pai também me esperava, mas cuidar de uma recém-nascida era coisa de mulher e mulher era o que não faltava naquela casa. Ele saía cedo, voltava tarde, trabalhava ainda mais agora com a família crescida.

Quando eu já não era novidade, minha avó voltou para sua cidade.  Minha tia arrumou um trabalho e um namorado. Meu pai abriu uma loja, batizou-a com meu nome para que nós duas crescêssemos logo. Minha mãe ficava com as crianças pela manhã, nos dava almoço, levava meu irmão para a escola e ia ajudar na loja.

Eu ficava com a Nira. Sem saber ler, ela me contava causos e histórias que aconteceram, ou bem poderiam ter acontecido. Ela sabia atrair gatos que apareciam no quintal de casa, ficavam e eram meus.  Seu sorriso clareava a pele escura, sua risada era saborosa como seus bolinhos de arroz, as tardes com ela eram uma mansidão de ternura.

Não me tornei a mulher bonita e boa, saudável e rica, sedutora e inteligente,  muitos atributos para uma só pessoa, mas fui criada como se eu fosse merecedora de tudo. Elas me viam assim, embutiram em mim confiança,  me ajudaram a ter segurança e, de certa forma, me senti assim.  

Quando meu filho nasceu, minha mãe estava comigo.

Eu morava em outra cidade, então era natural que ela ficasse uns tempos na minha casa para me ajudar quando a criança nascesse.

Quando ela foi embora, senti um enorme vazio e muito pena do meu filho por não ter fadas madrinhas por perto. Mas ele era homem, talvez não precisasse daqueles votos.

Comentários

  1. Ita querida, adorei!! Que você seja sempre rodeada de muito amor e carinho, agora outros personagens... Marido, filhos, netos e quem sabe bisnetos!! Suas grandes mulheres estão presentes, apenas em outro plano!! Beijos!! Mina!!

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  2. Que privilégio... Devia ser uma farra só!! Que lindas lembranças!! Um excelente ano para todos vocês e que esse maldido bichinho seja de vez eliminado ou no mínimo, combatido!! Shaná Tová Umetuka e Chatima Tova!! E que as comidinhas continuem sendo deliciosas!! Beijos Mina

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  3. Que texto sublime ! Vc rem um pouco de cada uma dessas fadas !!!! Bj grande

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  4. Êta mão boa de coração enorme. Espalhe-se para misturar-se ao mundo.

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  5. Ita querida, que texto encantador!
    Que privilégio ter sido cercada por essas mães incríveis, fontes de tua inspiração divina! Amei! Bjo

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  6. Iafa, obrigada pelas palavras tão carinhosas. Você me deixa emocionada!

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  7. Que texto lindo. Sua sensibilidade se sente de longe. Que saudades da sua mãe. Que delicia ter sido esperada e presenteada com tanta doçura e bem querer. Que coração bonito esse seu que sabe enxergar e reconhecer tanto amor. Um beijo. Keep writing.

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  8. Quem assina A mãe entende tudo!
    Bj, querida

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  9. Oi Ita, que texto lindo e que privilégio! Bj grande

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    1. Renata, obrigada pelo carinho e atenção.
      Verdade, fui privilegiada e a saudade delas me fez pensar em fadas.

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  10. “Minhas Mães” me emocionou profundamente.
    Qdo nasci tinha uma tia, solteira na época, q vinha muito em casa. Viviamos juntos. A gente se adorava. Faziamos montes de coisas juntas!!!
    Tivemos em casa uma senhora, tb analfabeta, q trabalhava e morava la. Me tratava como uma rainha!!!
    Pra completar tinha gatos e mais gatos no quintal da casa da Vila Mariana. Pode?
    Mi historia! Su historia!
    Bj forte!

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  11. Lindi, Ita. Belas lembranças. Concordo com a Fany. Você tem um pouco do que as mulheres te desejaram. Ah, conheci a Ita Modas. Parabéns pelo texto.

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    1. Laerte, obrigada. Que bom te reencontrar novamente numa sala de aula!

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  12. Ita, que texto lindo! Vc nasceu e ainda é abençoada pelas fadas. Feliz dia das Mães!

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  13. Adorei Ita. Que infancia bonita e repleta de cuidado, amor e carinho!

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  14. Ita
    Você tem o dom de buscar nas pessoas os melhores sentimentos dentro de si sem se darem conta deles, dia a dia. Obrigada
    Continue nos encantado!!!❤️

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  15. Que lembranças lindas! Um.atmosfera de carinho e valores! Adorei! Lembrou minha infância tb. Queria q as crianças de hj tb tivessem td isto. Parabéns, Ita!!

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  16. Ita querida, depois que te conheci, conclui que as mulheres que te esperavam.....eram todas profetisas.❤

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  17. Respostas
    1. Tereza querida, nossos pequenos vivem rodeados de fadas, eles sabem!

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  18. Mami, não tive uma comitiva para me receber, mas tive A melhor mãe que poderia ter. Quanto aos atributos, não sei quanto ao "sedutora", mas de resto, acertaram bem. Obrigado por tudo! Te amo!

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    1. Vindo de filho que é pai, o valor é dobrado. Obrigada a você por alegrar minha vida, Rafa!

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  19. Ita! Que texto tocante. Adorei

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  20. ANÔNIMOS: NÃO SEJAM TÍMIDOS, ADORARIA SABER QUEM SÃO VOCÊS, DEIXEM SEUS NOMES!

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