Insônia crônica

 

Adormecer está custoso.
Sempre gostei da noite, do silêncio na rua, na casa, minhas horas solitárias necessárias para ler e pensar não roubadas de nada além do meu sono.
Deitei às 3:10, dentro do padrão. Horário não é aleatório: procuro me deitar bem antes das quatro da madrugada para adormecer enquanto certo canal exibe um programa que vende joias.
Sem som, olho para as joias me auto hipnotizando, não preciso mais pensar em quem compra brilhantes e ouro na madrugada pela tv. Já imaginei histórias completas do amante, da viúva, até do pai ausente, algumas bem comoventes.
Acabou, desligo rápido antes que venham os esportes radicais.
Meu marido ao lado ressonando baixinho, ritmado. Constato: jantar mais leve e sem vinho evita ronco.
Esfriou, temperatura perfeita para o edredom e lençóis macios cheios de fios, presente de filho.
Penso no dia que passou, estou em paz, nenhum remorso ou culpa que afastam sono mais que dor de dente. Foi um dia bom.
Silêncio. Momento do ritual, faço minhas preces. Não conto carneirinhos, penso nos meus queridos, começo do menorzinho, vou indo por família e muitas vezes adormeço sem nomear todos. Hoje me lembrei até das pessoas com quem estudei no colégio e o sono não chegou.
4:38 - Tento respiração plena, é assim: esvazio a mente, presto atenção exclusivamente no ar entrando e saindo dos meus pulmões.
Devagar, inspiro pelo nariz em 3 tempos, expiro pela boca em 5 (2 vezes)
Inspiro em 5, expiro em 7 (2 vezes)
Inspiro em 7, expiro em 9 (2 vezes).
Respiração normal nos intervalos, olhos fechados, corpo esticado, mãos na barriga. Muito bom, basicamente uma meditação, estou relaxada.
Sinto calor: viro o travesseiro para o lado fresco, estico a fronha para não deixar marcas no rosto, me ajeito na posição lateral.  Agora vai, já sinto aquela malemolência tomando conta do corpo...
Essa respiração me lembra de uma técnica que vi no YouTube, promete tirar barriga e é para fazer deitada. Pareceu simples, resolvo experimentar.
Deito de costas novamente, alongo a coluna, inspiro, expiro, prendo a respiração e vou encolhendo a barriga aos poucos, abdome total chapado até perceber os movimentos peristálticos. Difícil! Na segunda tentativa confundo o inspira expira prende, espirro tusso engasgo, tudo junto ao mesmo tempo.
Susto, passou, ele nem acordou.
5:29 - durante a meditação lembrei que não tem feijão pronto no freezer para o almoço de amanhã. Vou até a cozinha colocar o bendito de molho. Na volta passo no banheiro, fazer xixi para dormir direto.
Deito rapidinho para não despertar. Bom momento para induzir o sonho com calma, já está clareando, procuro encontro coloco a máscara sobre os olhos. Começa a sessão bocejo, prenúncio certeiro do sono chegando.
Cada bocejo tão amplo e profundo, cheio de vontade, produz lágrimas que jorram escorrem pelos lados externos dos olhos e inundam as orelhas. Preciso tirar a máscara, secar as orelhas.
Houve uma fase em que meus olhos doíam, a oftalmologista prescreveu duas gotas de colírio várias vezes ao dia, lágrimas falsas para hidratar os olhos porque eu não as produzia. Morria de medo das pálpebras abrirem e não fecharem ou fechadas não se abrirem, como portas de ferro rangendo não lubrificadas.
Admirável esse transbordamento agora.
5:58 - Voltando à indução do sonho. Capricho nas imagens suaves, sem personagens para me distrair, paisagens tranquilas...
6:20 - Deu fome! Vou fazer um chá e comer alguma coisa. Impossível dormir com fome, você consegue?
Trata-se (trata-se?) de uma ocorrência aguda de insônia. Ou será crônica?