Limpeza

Se ela é limpa?

Ela é obsessivamente asseada.

Desde menina pula da cama para o chuveiro sem pensar em se esticar mais um pouco e deixar o banho para depois.

Isso nunca, nunquinha.

Também jamais se questionou se deveria ou não lavar os cabelos - frio, cólica, chuva, gripe - nada era obstáculo para afastá-la do seu sagrado ritual de limpeza.

Seu cabelo loiro sempre curto e sedoso nunca acolheu caspa ou piolho.

No rosto não aportou um cravo, nenhuma espinha infernizou sua cútis juvenil.

E as unhas! Quem consegue manter as unhas, dia após dia, curtas e brilhantes, e não de esmalte nem de roer, não senhor! Brilho natural de cuidadosa higiene.

Do uniforme faço questão de falar, pois acompanhei do primário ao final do ginásio: a camiseta dela era branca em março, permanecia alvíssima em setembro e mantinha o mesmo tom no exame final.

As meias dela não caíam, estacionavam naquele ponto exato abaixo dos joelhos, sem rugas nem ressentimentos, da primeira à última aula.

 

Continuo sabendo dela. Casou-se. Sua casa é um brinco, tudo perfeitamente organizado.

Suas unhas se acabaram esfalfadas pelo bombril cotidiano.

Tem uma filha, bonitinha, ela só tem um probleminha: não escuta, a pobrezinha.

 

Tímpanos perfurados. O otorrino proibiu terminantemente o uso de cotonetes.