Evolução
Ele fica abandonado lá no
canto.
Ninguém liga para ele.
Pior, quando o coitado resolve chamar é um estorvo porque raramente tem algo
importante a dizer.
Ultimamente tornou-se mórbido,
deu para oferecer remédio, plano médico e outro dia veio falando em sepultura e
cemitério.
Também chama por quem não
mora aqui, em tom de cobrança.
Os jovens não querem
saber:
- Não o quero na minha casa! – afirmam enfáticos.
Morro de pena, gosto dele, já me ouviu tanto...
Ele era desejado, ajudou
muito. Agora é um traste.
É o telefone fixo. Você ainda usa?
Sou do século passado, do
milênio passado.
Faço parte da gloriosa
safra de 1953.
Não era só questão de
poder pagar, existia uma fila de espera e o pedido de instalação de um aparelho
telefônico para uso doméstico demorava uma eternidade, em plena capital paulista
(fila de espera em plena capital paulista – lembrou-se de vacina?)
Na casa dos meus avós - em
São Lourenço, sul de Minas - tinha telefone: era uma caixa de madeira presa na
parede, no meio o bocal por onde se falava, uma manivela ao lado e um fio prendendo
o fone de ouvido do outro lado.
O girar da manivela emitia
o chamado à central local e a telefonista completava a ligação.
Você já deve ter visto em
filme antigo!
As conversas com meus avós
mineiros eram combinadas por carta e somente em caso de urgência se incomodava o
vizinho, senhor proprietário de um aparelho.
Era assim.
Eu tinha uns dez anos quando o telefone foi instalado em casa.
Antes de casar, as prioridades do novo casal eram procurar onde morar e comprar uma linha telefônica.
Casei, um tempo depois
engravidei e quando chegou a hora do parto meu marido foi ligar para o médico do
orelhão da esquina.
Era assim. Sem telefone em casa.
Em 1977 nos mudamos para o
Rio de Janeiro, encontramos a mesma dificuldade. Morávamos no Leme, eu ia até a
Av. Nossa Senhora de Copacabana onde ficava a Telefônica.
- Cabine 4, sua ligação
foi completada!
- Mãe, que saudade. Seu neto tá bem, você vem no aniversário dele?
Algum tempo depois ele
chegou. Finalmente eu possuía um telefone. O nome do meu marido constava nas
duas listas telefônicas, por nome e por endereço. Um luxo.
As listas eram renovadas anualmente, cada vez mais grossas. Eu não as devolvia, eram úteis para elevar o assento de cadeira para as crianças. Você também fazia isso?
Em 1988 voltamos para São
Paulo. Telefone instalado e funcionando no dia da mudança.
Novo tempo.
Foi nessa época que surgiu
em casa um computador xing-ling e o
acesso - único e precário - à Internet era via linha telefônica.
Então, quem usasse o
computador ocupava a linha. Era assim:
- Desliga isso, eu preciso telefonar AGORA.
Mais um pouco e chegou a
NET e com ela a assinatura de mais canais de TV, acesso à Internet mais rápida
e mais uma linha telefônica.
Ufa, que alívio! Novos tempos.
Daí apareceu o novo objeto
de desejo: o celular.
Todos queriam, impossível
atender a tantos pedidos. Era preciso fazer inscrição e aguardar (lembrou-se da
vacina de novo?)
Os primeiros aparelhos
eram enormes, pesados, mas quase mágicos: imagine só, dá para falar de qualquer
lugar, na rua, no carro...
- Alô... Não estou ouvindo!
- Caiu a ligação, não tem
sinal.
Sorte nossa já termos ensaiado estas falas, tão úteis atualmente nos encontros via zoom!
Liberdade total. Segurança
mínima. Rapidamente emergiram gangues de roubo ao celular e evoluem, cada vez
mais ousadas.
Agora os roubos são
presenciais e virtuais: hackers sequestram
dados causando medo e prejuízo.
E como a Covid para o homem, vírus com novas variantes cada vez mais danosas podem infectar o celular. Família e amigos são atingidos. Todo cuidado é pouco para não contaminar.
Celular acima de tudo.
Google acima de todos, juiz supremo que elucida dúvida e frequentemente gera mais desconfiança que segurança com sua palavra.
Usa-se o celular até para conversar,
embora muitos prefiram teclar mensagens. Chega a ser indiscreto, algo como
invasão de privacidade, telefonar para alguém sem antes perguntar por escrito:
pode falar agora?
É assim.
Novíssimos tempos.
O celular eliminou o uso de
relógio, despertador, agenda, cartão de crédito, rádio, jornal, revista, tv,
computador, máquina fotográfica, filmadora, gravador, aparelho de som, lanterna,
mapas rodoviários, guia de rua, mais o quê?
Em contrapartida, ele tem
todos os nossos dados, sabe dos gostos, gastos e passos de cada um. Quem possui
quem?
Nossa vida em nossa mão. Em uma só.
Hoje os bebês são
amamentados e embalados à luz das telas do celular, tablet, ipad, kindle, desktop... Sob a luz mágica mãe e filho vão
se conectando.
Se for bom ou ruim o tempo
dirá.
Estes bebês já sabem que as
telinhas são a continuação natural de suas mãos.
Nossa passou tudo tão rápido. Imagino o que vem pela frente.
ResponderExcluirVocê é Antenada!
🍃🌸🍃☎️📲
E viva nosso poder de adaptação!
ExcluirIta, perfeito!!!
ResponderExcluirFui lendo e rindo, pois passei por todo esse caminho, como você!
Obrigada por resgatar memórias divertidas.
Vera Tempel
Tomara que em breve possamos achar graça do que estamos passando agora. Acho difícil!
ExcluirA frase nossa vida em nossas mãos inserida no texto me fez lembrar de Zigmunt Bauman que, ao referir-se ao avanço tecnológico, registra que quando mais nos conectados menos nos relacionamos. Até onde vale a pena termos nossas vidas em nossas mãos?
ResponderExcluirNossas vidas em nossas mãos, sem interferência digital que nos domine.
ExcluirE que nossos relacionamentos continuem sólidos.
Obrigada pela sua atenção, Paulo
Abraço
Ita foi preciso o telefone de parede para descobrir que seus avós eram mineiros! E de São Lourenço!
ResponderExcluirPois o telefone da casa de meus pais, a casa de minha infância, também no Sul de Minas, era igual ao de seus avós. E o número eu me lembro ainda hoje: 5.
Delícia de leitura!
Serafim, que bom te encontrar aqui!
ExcluirNa verdade, meus avós são poloneses e adotaram e foram adotados por São Lourenço, cidade adorável na minha lembrança.
Grande abraço
Crônica linda, divertida e super atual querida Ita! Você me proporcionou boas risadas e uma oportunidade de revisitar nosso passado, não muito distante e tão diferente! Amei! Bjos
ResponderExcluirCada episódio deixa sua marca e as esperas e angústias se repetem.
ExcluirObrigada, bom que vc gostou, Iafa
Bj
É uma grande verdade querida!!! Os sentimentos humanos continuam intactos independentemente da passagem do tempo.... bjo
ExcluirLindo e moderno!!!
ResponderExcluirAmo sempre, cada bez mais!
Obrigada
ExcluirPerfeito....👏👏👏👏👏
ResponderExcluirTereza, pelo menos aqui podemos nos encontrar.
ExcluirObrigada pela atenção
Bj grande
Obrigada, vovó
ExcluirQue bela viagem no tempo!
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