NUVENS

entre os prédios altos da cidade grande, a sombra tampa o sol, a luz apaga a estrela, a esquina esconde a lua

no céu poluído da cidade grande, azul é cinza,  nuvem é fumaça e ninguém sabe pra onde foi o horizonte

aquele amplo, onde elefantes brancos e macios comem algodão doce voando no azul

aquele longe, onde caretas horrendas abrem imensos olhos e se evaporam no vento rápido

aquele definitivo, onde o mar encontra o céu e só quem pode, vê...

 

eu continuo buscando e encontro uma fina senhora de perfil, um gordo de bigode, um gato encolhido

já vi de relance uma caveira, uma bota de cano alto, um bebê engatinhando

passou um barco à vela bem pequeno, uma pistola, uma cabeça de turbante

todos fugidios, instantâneos, escorregadios como aquele peixe-espada

todos a espera dos meus olhos para criarem, senão vida, nostalgia

das nuvens de outros tempos

 

eles estão ao meu alcance, no rendado trêmulo da cortina do quarto,

na estampa da toalha da mesa, no granito salpicado do banheiro...

 

não os compartilho com ninguém

estão ali só pra mim

tão rápidos que a palavra não alcança, o piscar desfaz

e mesmo assim são minhas nuvens passageiras

a enfeitar o instante

a me levar dali adiante