Sal e Café

 

Ontem acabou o sal do pote, abri uma embalagem novinha e me lembrei daquele ditado popular: “Para se conhecer uma pessoa é preciso comer um saco de sal com ela” .

Sem saber quantos quilos teria este saco eu concordo totalmente, porque conviver é o verbo mais difícil de conjugar.

Conhecer mesmo alguém requer tempo, contato frequente em horas diferentes do dia, como quando a gente vai comprar um apartamento e precisa sentir se é quente, frio, barulhento, se tem vazamento, enfim, aspectos essenciais que só se descobre aos poucos.

Quantos sacos de sal já dividi com meu marido!

Não consigo imaginar passar este tempo todo com outra pessoa.

Hoje abri mais uma embalagem de café. 

E você, tomando muito café? 

Cresci tomando café. Café-com-leite desde criança, continua sendo minha opção a cada manhã, o sabor conhecido que nunca cansa nem precisa ser reinventado, atingi com a experiência o ponto perfeito de temperatura, quantidade de leite e café para o meu paladar, é o meu alimento pra alma, o que me ergue quando estou só ou triste, sentindo o vazio indefinido em horas perdidas. 

Cresci tomando café. Na cozinha da casa da minha mãe, quando aquela era minha casa, minha família quem nela morava, café-com-leite num copão grande, treze goles rápidos, enquanto meu pai manobrava o carro na garagem pra me levar à escola. 

Café-com-leite e pão com manteiga na frigideira que me era oferecido no lanche na minha meninice. 

Café com bolo no meio da tarde, fazendo trabalho de grupo do colégio. 

Café me mantendo acordada na madrugada véspera de prova, de vestibular, de trabalho trazido pra casa com urgência pra entregar na manhã seguinte. 

Café e os primeiros cigarros com o pessoal do cursinho. 

Café no intervalo das aulas na faculdade, pra deixar esperta. 

Café com prosa na hora de matar um pouco o trabalho. 

Café forte depois do primeiro porre. 

Café com o namorado, último programa da noite pra poder ficar mais um pouco juntos. 

Café na minha própria casa, na minha medida, na minha cafeteira. Para o meu marido. Para as minhas próprias visitas. 

Café com mães de crianças amigas das minhas crianças, pessoas passando a mesma fase, vivendo as mesmas dúvidas, dividindo problemas em busca de alguma solução. 

Café tomado em casa, visitando outra casa, na padaria, no boteco da esquina, em bares arrumados, apertados, em cafeterias charmosas, em paradas na estrada, em hotéis, em praças do interior e cidades do exterior. 

Café na cozinha começando o dia. Só ou acompanhada. 

Café na sala com visita, com bandeja, biscoitinho e cortesia. 

Café em copos de papel, plástico, vidro, em xícaras pequenas, médias, grandes, com leite espumante, forte, expresso, ralo, passado, fervido.

        

VAMOS TOMAR UM CAFÉ? 

Tomar café é mais que um ato físico. É a disposição para ouvir, falar, trocar, estar junto. Ou junto consigo mesma.

Já perdi a conta de quantas vezes ouvi: vamos tomar um café? Partindo de mim ou para mim.

Pessoas queridas, íntimas, recém-conhecidas ou até mesmo aquelas inevitáveis. Em horas boas, pra dividir um contratempo, dar um tempo, passar o tempo, falar do tempo; em horas doídas, sofridas, quando respirar é tão difícil e a gente precisa fazer alguma coisa com as mãos, mexer a boca, sentir um cheiro, um quente acolhendo, descendo por dentro, levando de novo o pé pro chão.

Tomar café pra mim é isso: parada pra esticar a perna, ou descansar da pernada. Refazer do susto, enganar a fome, acordar do tédio, mas acima de tudo, dividir. Comungar. Jeito de contornar uma situação difícil, o dia sem graça, a vida animada ou desastrada.

Tomar café é um programa básico, barato, gostoso.

Quantas ideias já começaram e ganharam corpo em torno de um café! Água e café. União de líquidos, um benigno e outro, talvez, bandido. Banido de cara em caso de reclamação de azia, insônia, tontura, dor de cabeça. 

Aceita um café?